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LH 332_portugues
experiencias | Num.332
Defender a vida, a vida toda.

ORIGINAL EN PORTUGUÉS
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Margarida Gonçalves Neto,
Psiquiatra. Casa de Saúde do Telhal. Mem Martins. Portugal

A decisão de seguir Medicina surgiu na infância. Gostava de imitar os gestos que aquelas pessoas, de bata branca, dirigiam a mim e a meus irmãos. Recordo as brincadeiras na escola, uns fazendo de médicos, outros de enfermeiros e outros de doentes. Mais tarde admirei a solicitude com que os meus avós foram tratados. A minha avó, permaneceu muito dependente durante alguns anos. A família desdobrou-se em cuidados. Todo este acompanhamento marcou profundamente o meu crescimento. Mais tarde, acrescentei razões e motivações. Percebi que era aquela vida que queria fazer para sempre. Havia curiosidade pelo saber e gosto por estudar, mas acima de tudo queria o que a medicina é. Um empenho, uma dedicação, uma vocação.

Tive uma educação católica e procuro Deus para dar sentido à minha vida. Sinto a tranquilidade da Fé e a inquietação por tanta coisa que preciso ser e fazer. Sempre tive este sobressalto, esta consciência da construção do Reino, com as minhas fragilidades e tantas imperfeições.

Na Faculdade, fiz parte do núcleo católico de estudantes da Faculdade de Medicina. Com regularidade, rezávamos e partilhávamos a nossa vida de estudantes à luz da Fé. Que beleza aquela cumplicidade! No último ano organizei a participação da Faculdade, na cerimónia da bênção das fitas. Com surpresa, um enorme número de estudantes quis participar na missa que a pastoral universitária organizava por essa altura, com todos os finalistas das universidades. Lembro-me de um colega que me disse – “olha… eu não sou católico… mas gostava de ter uma fita assinada pelo Cardeal Patriarca – quem sabe se um dia, volto a acreditar!”

Naquele tempo de estudante, começou a discutir-se em Portugal, questões relacionadas com a Educação Sexual. Foi sempre um tema a que dei atenção e mais tarde determinaria muitas ações de psicoeducação que fiz, em contexto de movimentos de jovens e de preparação para o matrimónio.

 

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Em 1984, foi aprovada a Lei do Aborto em Portugal. Foram tempos difíceis, de muita militância cívica empenhada. Participei em muitas manifestações contrárias. Os portugueses respondiam com vigor e convicção. Por essa altura era dirigente da Associação Guias de Portugal (movimento feminino de educação paralelo ao escutismo de Baden Powell). De forma ainda muito tímida, mas muito vibrante, escrevi uma moção que foi aprovada com louvor e aclamação no conselho nacional. Que contente eu fiquei! Essa momento foi o primeiro passo do muito que a partir daí fui fazendo, em conjunto com muitos companheiros da causa da vida. Foi assim que adotei para mim própria, o lema – Defender a Vida, a Vida toda.

Parece um lema óbvio, sobretudo para um médico que tem no seu código deontológico a absoluta missão de proteger e cuidar da vida, desde o nascimento, até à morte natural.

Ao longo dos anos, assistimos em Portugal e em muitos países europeus, a um ataque feroz em áreas que julgávamos intocáveis. Refiro-me às questões da vida, mas também às questões da Educação e da Família.

São João Paulo II alertou o mundo, para todas estas perigosas transformações. Desafiou-nos a estarmos atentos aos sinais da cultura de morte em oposição à cultura de vida. Esta tensão – cada vez mais atual – convocou sempre a minha energia e a minha ação. As sociedades estão a deparar-se com um crescimento da cultura de morte que se vai instalando, e já muitos a integram sem pensamento crítico. Ou porque desistem ou porque já não dão conta.

Em 1986, já médica, fiz um curso de formação de Formadores em Educação Sexual e Planeamento Familiar, no MDV – Movimento de Defesa da Vida que entretanto se tinha constituído. Tornei-me formadora nestas áreas e dei formação em educação sexual a convite de escolas, catequeses, cursos de preparação para o matrimónio entre outros. Quis preparar-me melhor e recorri a França para fazer o curso de aconselhamento conjugal no CLER (Centre de Liaison des Equipe de Recherche) onde continuei a preparar-me nos temas da conjugalidade, da sexualidade, da família, da educação. Foi uma experiência extraordinária, de que guardo ótimas memórias e aprendizagens.

Na hora de escolher a especialidade, pareceu-me que a psiquiatria seria a área da medicina onde estes temas poderiam ser aprofundados e continuados, onde poderia ser mais útil na área cívica e profissional. Teria, como psiquiatra, mais saber e conhecimento e por isso mais intervenção.

Também por isso fiz uma especialização em Sexologia – no Instituto de sexologia de Madrid – e Terapia Familiar na Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Estas são áreas que trabalho profissionalmente e me dão ferramentas para várias intervenções.

A formação em Terapia Familiar permite-me trabalhar com famílias e casais. E sobretudo, permite-me entender os problemas de um ponto de vista sistémico – que passou a enriquecer a minha visão dos problemas e das soluções.

Poderá parecer que nada tem a ver com a causa da vida, mas o que a seguir conto, tem o mesmo princípio. O da vida e vida com dignidade.

A ilha de Timor é um território longínquo, perto da Austrália. Até à revolução portuguesa do 25 de abril, era território português. Em 1975 foi invadida pela Indonésia e assim permaneceu até 2002, data em que foi declarada como nação independente. Em 1991, pouco depois da visita de São João Paulo II, houve um massacre em Dili, no cemitério de Santa Cruz. O massacre foi filmado e divulgado por todo o mundo, causando uma grande consternação em Portugal. Eram sobretudo jovens que se manifestavam pela liberdade e independência. Ora em 1992, um grupo de portugueses – sobretudo estudantes – aos quais se juntaram jovens de vários países, ousou viajar para Timor. A missão Paz em Timor pretendia chegar a Dili de barco, para depositar flores no cemitério e assim homenagear a coragem de quem lutava pela independência do seu país. Era uma missão em tudo inspirada pelo Green Peace.

Fui convidada a participar nessa missão, como membro da equipe médica. Fi-lo como interna da especialidade de psiquiatria, já que se considerou que o trabalho de acompanhamento dos jovens participantes, seria importante. O barco foi impedido de entrar em águas de Timor por vários navios de guerra da Indonésia, mas creio que o objetivo solidário de promover a causa da independência, foi alcançado. Ousámos desafiar a grande potência asiática e mostrar ao mundo a causa esquecida de Timor. 10 anos depois, Timor foi declarado país independente e livre.

Haveria de conhecer Timor mais tarde, para um trabalho com famílias na Diocese de Baucau. E um pouco mais tarde, prestei serviço em Laclubar, durante um mês, já como psiquiatra nos Irmãos de S. João de Deus.

Depois de concluída a especialidade, em 1993, comecei a trabalhar na Casa de Saúde do Telhal (CST).

Já conhecia a CST e o trabalho dos Irmãos de S. João de Deus. Fui cativada pelo seu humanismo, pela proximidade com os doentes, pelo trabalho em reabilitação, pela missão e os valores da instituição.

Ali trabalho a tempo inteiro, desde há 29 anos, com o empenho de que sou capaz. Sendo psiquiatra geral, tenho-me dedicado à área de Alcoologia, coordenando a unidade de Alcoologia da CST.

O trabalho com doentes alcoólicos é também um trabalho pela liberdade e pela dignidade de vida. Os doentes e suas famílias, escravizados pela dependência do álcool, são motivados para a paragem de consumo e entrada em programa de tratamento. Esse programa, que começa pela desintoxicação, é uma viagem. Ao parar de beber, o doente torna-se capaz de assumir a sua dependência pela primeira vez. Depois é-lhe proposto fazer um trabalho interior, onde descobre as razões da sua dependência. Acompanhar cada um para que consiga escolher manter-se abstinente é muito apaixonante e reconheço em mim, um grande entusiasmo neste trabalho. É um percurso que se inicia pelas trevas, mas que se orienta para a luz. Também aqui se vai da dependência à liberdade. Se encontra a fragilidade e vulnerabilidade humana. Se acredita que é possível recomeçar e reconstruir. Se observa o vigor da vida perante a morte.

Em 1994, por ocasião do Ano Internacional da Família, fui convidada para criar e apresentar um programa de televisão sobre a Família. Chamou-se “Coisas de Família” e pretendeu apresentar e debater os desafios de cada etapa do ciclo de vida familiar. Foi a minha primeira experiencia na televisão. Outras se seguiriam, sobretudo relacionadas com as intervenções na área da vida e da família.

Em 1998, na sequência da lei entretanto aprovada de despenalização do aborto a partir das 10 semanas a pedido da mulher, as forças políticas determinaram a realização de um referendo. Foram semanas de intensa preparação da campanha, os movimentos cívicos contra o aborto não dispunham de experiência nem de dinheiro. De tudo se fez. Preparação de tempos de antena, debates e sessões de esclarecimento em todo o país. Foi uma campanha cheia de fervor e ingenuidade. Talvez a mais bonita em que participei. Também pelo resultado – 49% pelo Sim e 51% pelo Não. Era uma luta de David contra Golias e tínhamos sido capazes de ganhar. A causa da vida ganhara. Parecia um sonho, tinha sido uma grande vitória.

Mas não bastava ganhar. Era preciso ir ao encontro do que se dissera na campanha. As mulheres grávidas em dificuldade precisavam ser ajudadas. A partir daí, os movimentos cívicos pela vida organizaram-se em serviços de proximidade, constituindo centros de apoio à vida que ainda hoje, diariamente, cumprem a função de defender, apoiar e acolher a vida.

Em 2004 fui nomeada pelo Governo de então, Coordenadora Nacional dos Assuntos de Família. Durante quase 3 anos, fui responsável pelo foco das políticas de família em Portugal e apresentei um plano nacional – 100 compromissos para a Família – de responsabilidade interministerial. Um deles foi relativo à importância dos Centros de Apoio à Vida, que foram regulamentados no âmbito de uma resposta da Segurança Social. A mudança de governo, provocou o fim deste trabalho, com o qual me senti muito honrada e agradecida.

Entretanto, os movimentos a favor do aborto, mantinham-se muito atuantes. A dinâmica do Sim ao aborto na sociedade, criava factos para influenciar a sociedade. Os média faziam eco e cobertura das suas iniciativas. A pouco e pouco foram ganhando terreno na batalha cultural do “direito ao meu corpo” ou do “direito a escolher” ou do fantasma das mulheres na prisão. Em 2007, conseguiram apoio para novo referendo e, de novo, a campanha fez-se por todo o país. Participei ativamente mais uma vez. Desta vez, o resultado foi outro e o Sim ganhou com 59% dos votos. A abstenção foi enorme, tendo votado apenas 32% dos eleitores. Foi em direto, na televisão, onde participava num debate, que soube do resultado. Não é fácil depararmo-nos com uma derrota. Perguntaram-me o que iriamos fazer a partir do resultado. E eu, de voz embargada, respondi que ia para casa ensinar aos meus filhos que valia a pena defender a vida, a vida toda.

E assim tem sido.

As associações de apoio à vida constituíram-se na Federação Portuguesa Pela Vida. Esta Federação, de cujos corpos sociais faço parte, representa em Portugal a expressão mais forte da luta cívica pela vida.

São muitas as diferentes batalhas que tem polarizado – Petição pela alteração à lei do aborto, oposição à lei da gestação de substituição, referendo à Eutanásia, liberdade de educação, denúncia da ideologia de género, oposição firme à Eutanásia. Todos os anos organiza a Caminhada pela Vida e mantém uma observação persistente aos números e causas do aborto, que em Portugal são cerca de 15 mil desde 2007. Faz parte da organização Europeia – One of Us – que reúne vários países e vários movimentos a favor da vida.

Em 2014, o governo constituiu uma comissão para estudar o problema da Natalidade em Portugal. Com muita alegria, participei na elaboração de um documento – Por um Portugal amigo das famílias e da Natalidade – 2015 – 2035. Infelizmente, a questão da Natalidade agrava-se em cada ano e não parece incomodar o poder político de forma clara e forte. Sendo um problema de toda a Europa, ele assume em Portugal uma gravidade extrema.

01 | Uma nota com mais detalhe sobre a Eutanásia em Portugal.

Os partidos de esquerda pretendem fazer aprovar uma Lei da Eutanásia desde 2018. Nesse ano, foram apresentados 4 projetos de Lei.

Mais uma vez participei em múltiplas sessões de esclarecimento. No âmbito da Pastoral da Saúde e do Grupo Inter-religioso para a Saúde, colaborei num encontro entre todas as religiões sobre a Eutanásia. Desse encontro saiu uma declaração importante, assinada pelos respetivos líderes religiosos, que foi entregue durante uma audiência do Presidente da Republica. Trata-se de um importante e profundo texto sobre a posição comum das religiões. Realço do texto, os seguintes pontos:

  1. A dignidade daquele que sofre
  2. Por uma sociedade misericordiosa e compassiva
  3. Os Cuidados Paliativos, uma exigência inadiável.

O chumbo da lei, por escassos 5 votos, depois de uma luta muito renhida, encheu-nos de alegria. Tínhamos tido, depois de tantos anos, uma vitória! E que bem que nos soube!

Sabíamos que seria de curta duração, porque numa composição parlamentar diferente, o risco seria grande. E assim foi. Após as eleições, em 2020, cinco novos projetos de lei deram entrada na Assembleia da República e foram aprovados.

Vários sectores da sociedade e movimentos pró-vida, apelaram ao veto do Presidente que pouco depois de receber a lei, a enviou para o Tribunal Constitucional para pronunciamento. Evocou o Presidente, o argumento de que o conceito de lesão definitiva de gravidade extrema, seria excessivamente indeterminado.

Com surpresa e alívio, o TC entendeu que a Lei era inconstitucional, pelo que o Presidente a vetou.

O Parlamento tinha agora a missão de alterar o texto da lei para cumprir com as exigências do Tribunal Constitucional. Meses depois, essa alteração estava feita e o texto foi reenviado para o Presidente da República que a vetou de novo, com argumentos de grande impacto. Considerou que as alterações introduzidas continham fortes incoerências. Como entretanto o Parlamento foi dissolvido a lei terá de voltar a ser apresentada e votada. O processo voltou ao início. Neste preciso momento em que escrevo, em Portugal não tem Lei da Eutanásia. Já teve e agora não tem e isso é uma oportunidade em aberto.

Mais uma vez, temos a noção de que o recente resultado eleitoral, com uma maioria de deputados favorável à Eutanásia, irá votar a favor de uma nova Lei de Eutanásia.

Os movimentos a favor da vida recomeçarão em breve a sua campanha. Sentimo-nos motivados e não desistiremos. Para mim, para nós, só perde quem desiste de lutar.

Há 5 meses, fui eleita deputada na Assembleia Municipal de Lisboa. Fui convidada para representar a área da Família e da Vida. O facto de ser psiquiatra e poder contribuir para algum trabalho na área da saúde mental dentro da cidade Lisboa, motiva o entusiasmo com que abracei mais este projeto.

Finalmente, a razão desta minha vida e o sentido do que faço.

Peço todos os dias a Deus que este seja o caminho que Ele quer que eu faça.

Como o busco? Como o sinto? Como me deixo conduzir?

Nunca o poderia fazer sozinha.

Tenho os meus amigos e a minha família, mas tenho também a Associação dos Médicos Católicos Portugueses onde sou presidente do núcleo de Lisboa. Temos feito uma grande caminhada. Procuramos compreender o mundo em que vivemos e os desafios que nos são colocados. Nos tempos que correm, um médico católico pode sentir-se sozinho, quase contra o mundo, pode sentir receio e dúvidas. Quando nos encontramos, refletimos em conjunto as nossas alegria e as nossas dificuldades. A entreajuda e a oração são confortos e bálsamos extraordinários. Juntos fortalecemo-nos e fortalecemos o nosso trabalho de médicos, no consultório ou no hospital.

A Fé permite viver na relação com Deus.

Só na oração descubro a fonte e a inspiração. O equilíbrio entre aquilo que quero e aquilo que me parece que Deus quer que eu faça ou seja.

Só na serenidade consigo compreender para onde o Espirito me leva.

Releio o que escrevo e vejo uma vida com muitos desafios. É um bom exercício.

Posso questionar-me sobre o que me faz correr.

Creio que será um profundo amor à vida, à liberdade, à dignidade humana, ao cuidar do mais próximo, à compaixão.

Trago comigo o modelo maior. O de Jesus Cristo. Para um médico católico, o do Cristo Médico.

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